sexta-feira, 23 de abril de 2010

Fera Anjo

Lílian era o tipo de garota que seria considerada, por muitos, comum. Morna. Morena, para Sérgio Buarque de Holanda.
Ela não ligava.
Queria apenas viver e ter para si mesma que a sua vida era boa.
Lílian lutava pelas suas coisas. Às vezes, silenciosas. Às vezes acha que tem que gritar um pouco mais.
Lílian não era rude. Nem arrogante.
Lílian era simplesmente tão doce que tudo que era amargo, nela logo se açucarava. Sabia lutar, mas apenas usando ações, não palavras.
Mas às vezes, se irritava, e poderia ser curta e grossa. Era uma única frase que poderia mostrar que toda a doçura, poderia, em uma fração de segundo, se tornar amargura e azedume, e, no instante seguinte, voltar à doçura de um caramelo recém derretido.

- Ei, Lílian, acorda! Aula não é lugar de dormir!
- Eu tô cansada, eu moro longe, eu tô com sono. É melhor você me deixar dormir se não quiser uma pessoa muito irritada perto de você.

Ele riu, e não deu muita importância. Não a incomodou mais.
E ela dormiu. O rosto angelical da Lílian que dormia não mais revelou a fera que poderia se libertar de dentro dela algumas vezes.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Insatisfação

Ele tinha que levar trabalho para casa. Ficava até altas horas terminando-o. E ele já não entendia o porquê, e nem onde chegaria com tudo aquilo.
Antes fosse algo emocionante. Uma escultura. Um par de óculos de Realidade Aumentada. Um projeto de teletransportador. Uma bomba nuclear.
Não, eram apenas papéis sem vida e repetitivos.
E eram folhas atrás de folhas, riscos de caneta aos quais ele já nem prestava mais atenção, que passavam e se viravam revelando cada vez mais caligrafias desanimadas e ilegíveis.
Tudo estava perdido: tinha o trabalho que não queria, gastava suas douradas horas de sono escondido por uma pilha de monotonia e vontade de jogar tudo para o alto.
Ir embora. Para outro país. Sumir. Ser hippie ou tocar violão no Central Park com o seu chapéu no chão implorando por alguns centavos.
Ele fugiria e nunca mais voltaria. Correria gritando anunciando a sua imprudente liberdade. Mas antes disso, teria que terminar de trabalhar com aqueles papéis.

sábado, 3 de abril de 2010

Almoço

Eles iam almoçar juntos. Na casa dele.
Ao telefone:

Ele: Poxa, minha mãe esqueceu que você vinha e não fez almoço...
Ela: Ah é? Bom, não tem problema, eu tenho que ir ao shopping mesmo, então a gente vai junto e almoça lá, pode ser?
Ele: Não estou com fome...
Ela: Mas eu tô...
Ele:...
Ela: Então eu almoço aqui em casa mesmo, depois eu vou ao shopping e a gente vê o que faz.
Ele: Tá.
Ela: Eu vou sair lá pelas 14h.
Ele: Tá. Me avisa.
Ela: Tá bom. Beijos.
Ele: Beijo.
Ela: Eu te amo.
Ele: Também.
Ela: Tchau.
Ele: Tchau.

Desligam.
Ela não entende a frieza e a distância pelas quais os dois passam. Ainda ontem queriam ficar juntos o dia inteiro. Fizeram planos. Hoje parece que tudo está diferente.